PUBLICADO EM 29/05/20

"A arte conquista territórios"

Nas ondas do rádio, estão as primeiras memórias da presença da arte na vida de Claudia Ribeiro. Era criança, ainda, quando ouvia as músicas e vozes dos locutores. Esse encantamento, nascido das ondas sonoras, deu frutos.

Hoje, Claudia Ribeiro dança, canta, atua e conta estórias. Além de artista de diversas vertentes, é também educadora. Para ela, arte e educação complementam-se, caminham juntas. 

Distante das tantas atividades que exerce em diversos grupos artísticos, aproveita o tempo durante a quarentena para estudar e cuidar do corpo que, segundo ela, “é meu instrumento de trabalho, meu templo, meu tudo, meu corpo é tudo que eu tenho”. A seguir, ela fala da importância da arte e da rotina no período da pandemia. No fim da entrevista, Claudia deixa algumas sugestões de perfis que tem acompanhado nas redes sociais. 

Conte um pouco sobre você e sua relação com a arte.

Sou filha de baianos, saídos da Bahia quando eu era muito pequenininha. Fomos pro sul, mas o meu primeiro contato com arte que trago na memória é eu muito pequena ouvindo um grande rádio na sala da minha avó, lá na Bahia ainda. Eu ficava prestando atenção e pensava que as pessoas estavam lá dento do rádio, que eram pequenininhas e ficavam lá, falando, cantando. Eu ficava viajando nisso e ouvindo aquelas músicas. Então, meu primeiro contato com arte acho que foi por ai, pelo rádio. E, claro, sem contar as memórias de antes, né, ainda no ventre da minha mãe.

Mas depois, no sul, na adolescência, com 18 anos comecei a fazer teatro, me apaixonei perdidamente pelo teatro. Isso foi em São Miguel do Iguaçu, no Paraná. Tive grandes pessoas no meu caminho lá. Depois, em Foz do Iguaçu, segui essa caminhada no teatro mas sempre paquerando a música. E contadora de história foi meu primeiro trabalho com pessoas, numa biblioteca lá no sul.

Chegando aqui em Paraty, eu me envolvi mais com a música. Felizmente conheci (a musicista) Carol D’Avila, que tem me ensinado a enxergar a música que eu sou através da música universal. No teatro, tive a oportunidade de fazer o APA (Ateliê de Pesquisa do Ator, projeto desenvolvido pelo Sesc Paraty), que me trouxe grandes vivências, grandes experiências, muito aprendizado; e o melhor ainda, me trouxe a relação com pessoas maravilhosas, atores, atrizes, nossos mestres. Essa histórias teve frutos no teatro, como tenho um texto que fiz, “Um buraco”, que é fruto do encontro com atrizes no APA. Também tem Constância (espetáculo teatral), em parceira com Joana Marinho.

Na música, eu participo dos grupos aqui da cidade, como As Iyagbás, Mundiá Carimbó, Camerata Valhacouto, que envolve literatura e música. Também tem o Nega Pisô, grupo de coco que pesquiso junto com a Fernanda Echuya. Faço parte do Oficina do Som, lançamos um CD no ano passado. 

Também tem o trabalho da educação, transito no terreno da educação e cultura. Para mim, as duas áreas estão de mãos dadas. Atualmente, sou professora de português, além de ter todo esse trabalho, esse amor, essa dedicação, esse envolvimento também com o teatro, com a música, com a dança. Amo dançar e a minha relação com a arte é muito intuitiva, eu sinto, e expresso o que eu sinto no meu corpo, na minha voz. E aprendo muito, claro. Nesses anos todos, tive muitas pessoas maravilhosas me ensinado muito, me inspirando muito e eu sou o resultado dos encontros com todas elas. 

 

Você é uma pessoa muito ativa. Como fica sua rotina artística durante a quarentena?

Antes da quarentena, eu tinha uma vida super ativa, mesmo. E como meu corpo é meu instrumento de trabalho, meu templo de trabalho, meu tudo, meu corpo é tudo que eu tenho, eu preciso cuidar dele para que ele continue dando conta energeticamente, potencialmente, das atividades as quais eu espero que retornem após essa pandemia. Então, o que tenho feito é cuidar do meu corpo. Tenho assistido lives de dança, tem uma professora que sigo (@alinebabalakina) e faço dança com ela toda semana, estou fazendo terapia online, lendo muito, vendo muitos vídeos, muitas entrevistas interessantes. 

Quanto ao meu trabalho com os grupos, ele está um pouco quieto no sentido de que a gente estava muito ativo, ensaiando, apresentando. Então, agora, é tempo também de estudo. Eu acabou ouvindo muitas referências dos grupos que eu participo, as referências musicais dos mestres, porque estudar música pra mim é muito do ouvir. E, na medida que eu posso, acompanho também as notícias, militando dentro do que é possível. E estou atendendo as crianças (alunos) virtualmente, além de ajudar minha mãe em casa nos afazeres domésticos, que passaram a fazer parte mais efetivamente no meu dia a dia.

Qual a importância da arte para você?

Eu tenho um profundo respeito pela arte, por tudo que ela proporciona. Arte é vital, arte transcende, atravessa, transpassa nossos entendimentos, nossos sentimentos, ela conquista territórios que talvez a gente imagine inabitáveis ou inexistentes e, de repente, com a arte o que é inexistente torna existente. Enfim, ela tem trazido, não só neste momento, nestes anos todos, o alento. Ela traz a certeza de que existem coisas muito maiores do que a dor, o sofrimento, a tristeza, o ódio. Ela vem carregada com um alento, um perfume, uma essência muito vital, ela vem com essa seiva vital que realça o melhor do ser humano, que é sua expressão, sua arte de existir, de se expressar. Então, é maravilhoso ver tantos seres humanos se expressando de maneiras artisticamente diferentes. Que bom que temos todas as manifestações artísticas, todas as expressões artísticas, dos seres humanos do mundo para nos alimentar. 


De que maneira a arte pode nos ajudar a recriar o mundo?

O primeiro mundo que a gente tem que recriar é o nosso, o nosso universo, fazer uma auto percepção e ver o que a gente é capaz de modificar em nós mesmos que possa contribuir para a recriação de um mundo melhor. Eu penso naquele efeito das ondas que uma pedra cria quando é jogada na água. Ela bate ali no centro do rio e vai fazendo vibrações, aquelas ondas, mas ela começa ali naquele ponto e as ondas vão crescendo ao seu redor e tomando conta do rio de uma maneira mais extensa. Então, eu penso que a arte primeiro transforma a mim, a partir do momento q eu entro em contato, através da literatura, principalmente, através das leituras, a partir do momento em que eu mergulho na poesia, na literatura como um todo, a partir do momento em que eu mergulho na música, a partir do momento em que eu conheço outros universos, outras expressões e vou em identificando, vou me reconhecendo e, consequentemente, me lapidando, me reconstruindo. E ai, a partir do momento em que eu consigo reconstruir esse meu mundo, penso que vou reconstruindo o mundo ao redor.

A arte parte dessa percepção, primeiro individual, e então, quando eu passo a criar com alguém, quando faço arte coletivamente, isso também tem um poder muito grande de reverberação. Então, é primeiro essa auto permissão de mergulho, de conhecimento e de envolvimento com a arte ou com as artes. Não precisa procurar somente uma arte específica, até porque todas conversam. Mas é isso. A partir desse momento que você vai tendo esse contato, mergulhando enquanto público, que contempla; ou enquanto artista que mergulha e se permite arrancar de si essa expressão artística, essa transformação acontece. São dois caminhos: de dentro pra fora e de fora pra dentro. São esses os vetores o tempo todo. 

Deixe algumas sugestões de páginas e pessoas que você tem acompanhado nestes dias.

A escritora Conceição Evaristo; a cantora Teresa Cristina; a poeta Maria Duda; a médica Fernanda Dettori e a escritora e pesquisadora Djamila Ribeiro
 

Você quer conhecer um pouco mais do trabalho da Claudia? Ouça este episódio de contação de estórias do Palavra Encenada, um podcast do Sesc Paraty: